Iniciamos por uma definição do termo: onomatopeia é uma palavra de origem grega (onomaton, substantivo, nome; e poíesis, criação) e pode ser entendida como a afiguração de um termo, ou a reprodução visual de um som, ou ainda, o “uso de um termo que sintetiza a situação indicada pelo som” (RAMOS, 2009, p. 80).
Cirne (1972, pp. 33-34) concorda com esse aspecto: “se ainda não se atingiu a radicalidade joyceana (cf. Finnegans Wake) na concreção de novos sons onomatopaicos, conseguiu-se plasmar, em cores e formas, uma intensa comunicação sonora”.
A onomatopeia junto com os balões e as imagens, são a “trilogia simbólica” constitutiva das HQs (CAGNIN, 2014, p. 155), criadas para resolver as quatro limitações apontadas.
É um fato: muitos de nós tivemos o primeiro contato com a leitura e com as nuances da língua portuguesa através de histórias em quadrinhos, e hoje se trabalha o material em sala de aula (vide VERGUEIRO, 2006).
Entender a linguagem própria das HQs (veja: Jornalismo em quadrinhos) nos ajuda, enquanto professores e orientadores de novos leitores, a extrair o máximo desta linguagem, que ajuda na percepção de mundo e no desenvolvimento de imaginação e criatividade.
Segundo Juan Acevedo (1990, p.67), do ponto de vista material HQs são apenas tinta sobre papel, o que limita bastante a expressão, e elas se constituem como linguagem através das soluções que desenvolvem para esta limitação: nos referimos à expressão das personagens, à textura sonora, à sugestão de movimento e ao fluxo do tempo.
Recursos verbais e visuais
Antes de seguir em frente, uma breve, porém pertinente, observação sobre nosso estudo: assim como um romance pode ser analisado conforme o uso que o autor faz das palavras e da gramática, a linguagem das HQs reúne uma série de recursos verbais e visuais para criar uma narrativa.
É preciso ter em mente que, por linguagem das HQs, referimo-nos ao conjunto dos recursos desenvolvidos para superar aquelas limitações de representação, e analisá-los separadamente desmonta o conjunto, e perdem-se suas características próprias. O que realizamos aqui é uma vivissecção e tem fins analíticos somente.
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Ressaltamos as “cores e formas” de Cirne: assim como a expressão das personagens se fundamenta amplamente na simbologia das cores e na intensidade sugerida por tamanho e forma da imagem, por vezes bastante peremptórios, da mesma forma as onomatopeias.
Chinen (2011, p. 21) aponta o efeito estético equivalente ao efeito sonoro criado com a imagem do som.
Bons exemplos podem ser encontrados hoje nos mangás (as HQs de origem japonesa), e na clássica graphic novel O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, que mostra onomatopeias profundamente ligadas aos movimentos que ajudam a sugerir.
Sugestão de sons
Estamos falando de uma palavra que, desenhada no quadrinho ou em relação a ele, torna visível um som do ambiente em que se desenvolve a ação.
À própria palavra escrita pode ser adicionado ao elemento gráfico que expressa as características do som representado.
Claro, onomatopeias não têm o poder de substituir a percepção sonora do leitor, apenas de sugerir alguns sons.
E estes sons visuais são escolhidos pelo autor ou pelo desenhista conforme a necessidade do roteiro, assim como suas cores e formas, signos de sua intensidade.
Exemplos de onomatopeias
Exemplos bastante usuais de onomatopeias são as palavras “crash”, “bum”, “bang”, “splash”, “bam”, “zum”, “blob”, “slap”, “sniff”, “thump”.
Lista de onomatopeias:
risada ou gargalhada. | ah! ah! ah!, há! há! |
grito de surpresa, dor, medo, pavor ou descoberta. | ah! |
alívio. | ahhh!, aaah! |
choro. | buá! |
arfando, ofegante. | arf! |
nojo. | argh! |
espirro. | atchim |
desagrado. | bah! |
tiro. | bam!, bang! |
trovões, explosões ou tiros. | baroom!, baruuum!, bum!, bruum! |
queda. | bash!, boomp! |
sintonia de rádio. | bbrrzz! |
soco no queixo. | biff! |
porta batendo. | blam! blam! |
sino tocando. | blim-blém! |
mola. | bóim! |
batida de um objeto. | bóim |
corda de aço após soltar flecha. | boing! |
cabeça com cabeça. | bonc! |
sensação de frio. | brrr! |
vaia. | buuu!, uuu! |
zombaria. | buuu! |
abelha voando. | Buzzz!, bzzz! |
cochicho. | bzzzt |
mastigar. | chomp!, nhoc! nhac! nhec! |
batida em objeto metálico. | clang!, blém!, blém! |
palmas. | clap! clap! clap! |
ligar ou desligar. | click! clic! |
tosse por asfixia. | coff! oss! uss! |
quebrando. | crack! prac! prec! |
mastigando torrada. | crunch! |
campainha. | ding!, dim!, plim!, trim!, ring! |
indecisão. | er…, ahn … |
buzina. | fom! fom! |
líquido sendo bebido. | glub, glub!, glug! |
grunhindo. | grrr! |
engasgo. | gulp!, glup! |
surpresa. | hã! |
risinho. | he! he! he!, eh! eh!, rê! rê! |
reflexão. | hmmm!, hum… |
dúvida. | huuum! |
soluço | ic! |
chamando a distância. | iu-uu!, u-uu! |
bomba | ka-boom!, ta-bum! |
Aprenda com as histórias em quadrinhos
Umberto Eco, no artigo “Leitura de Steve Canyon”, publicado em seu clássico Apocalípticos e Integrados, levanta uma importante observação acerca da construção das onomatopeias.
A maior parte das onomatopeias que conhecemos e vemos aplicadas às HQs tem origem na língua inglesa.
Lembremos que a maior parte dos elementos constitutivos das HQs é obra de artistas norte-americanos, incentivados pelo desenvolvimento da mídia impressa ocorrido no começo do século XX.
Então, parece natural que eles fundamentassem a criação destes sons visuais em sua própria língua.
Assim, “crash”, ou o som de algo que se espatifa, deriva do verbo to crash, espatifar; “rattle”, ou o barulho de algo que treme, deriva do verbo to rattle, chacoalhar; “slam”, ou o barulho de uma porta que bate, deriva do verbo to slam, bater (uma porta ou janela); e assim por diante.
Assim, em inglês, estas palavras são neologismos no uso (ao indicar um som), mas têm uma conexão imediata com o significado original do som que representam.
Ao transpor diretamente a onomatopeia para qualquer outra língua, essa conexão deixa de ser imediata, e passa a ser associada ao significado mais pela relação com a imagem no quadrinho.