Recurso de multa por dirigir sob a influência de álcool – Lei seca – Modelo 1

XXXXXX, brasileiro, solteiro, RG. nº XXXXX XX/XX, e CPF nº XXXXXXXX, com endereço em XXXXXXXXXXXXXX, vem, por intermédio desta, apresentar DEFESA PRÉVIA quanto à notificação recebida em XX de xxxxx do presente ano, na qual lhe é imputada a infração do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro.

O artigo em pauta foi recentemente alterado pela controversa Lei n°11.705/06, ocasião na qual se deixou de exigir a concentração mínima de seis decigramas por litro de sangue para responsabilizar administrativamente o condutor surpreendido sob efeito de álcool.

De acordo com a modificação efetivada pela nova lei, o artigo 276 do Código de Trânsito Brasileiro passou a versar que “Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no artigo 165(…)”, sendo adotado o limite máximo de 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido no exame do bafômetro. Tal valor corresponde meramente à margem de erro do aparelho, o que justifica a alcunha popular designada ao referido diploma legal: “Lei Seca”.

A Lei n° 11.705/06 apresenta traços nitidamente demagógicos e ofensores ao Estado Democrático de Direito, não hesitando em ferir diversos princípios constitucionais e direitos fundamentais em nome de uma rigidez e arbitrariedade recorrentes em regimes autoritários.

Ao instituir sanção administrativa e penal ao condutor pelo mero fato do mesmo ter ingerido qualquer quantidade de álcool, sem efetiva lesão a quem quer que seja, o legislador fere diretamente os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. De fato, pressupor que a ingestão de quantidade ínfima de bebida alcoólica é suficiente para embriagar e tornar potencialmente perigoso um indivíduo adulto remete a uma simplificação grosseira da realidade.

Os corolários constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade são atacados quando o legislador permite a prisão do condutor após a ingestão de quantidade ínfima de álcool.

Ao utilizar medidas penais coercitivas como primeira alternativa do sistema jurídico, a lei em questão afronta diretamente o princípio da intervenção mínima e o difundido conceito do direito penal conhecido como ultima ratio (derradeira hipótese de intervenção estatal).

A recusa em utilizar o bafômetro justifica-se plenamente pelo preceito disposto na Carta Magna e no artigo 8.º do Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Durante toda abordagem, o defendente não demonstrou em momento algum qualquer sinal de embriaguez ou debilidade das funções cognitivas. Dirigia de forma perfeitamente habitual e inofensiva, não oferecendo ameaça a ninguém.

Consta no “Auto de Constatação de Condução de Veículo Sob Influencia de Álcool”, datado de XX/XX/XXXX, que os únicos supostos sinais de embriaguez apresentados consistiam em “sonolência”, “olhos vermelhos” e “desordem nas vestes”, este último beirando a hilaridade pela absoluta subjetividade envolvida na avaliação. O autor apresentava odor de álcool no hálito, fato justificado pelos pequenos goles que havia ingerido da cerveja da namorada minutos antes, conforme relatado no mesmo auto.

Os olhos vermelhos e a sonolência eram apresentados também pela autoridade policial, que obviamente não estava embriagada e sim sofrendo os efeitos da madrugada avançada, tal qual o defendente.

Dos 23 itens indicativos de alcoolemia, foram marcados como positivos apenas 4, valor substancialmente ínfimo para caracterizar o estado de embriaguez delimitado pela lei nº 11.705/06. A gravidade da sanção aplicável com fulcro no artigo nº 165 do Código de Trânsito Brasileiro é demasiado contundente para se basear em conjecturas arbitrárias sem qualquer respaldo técnico. Ainda segundo o Auto, o condutor não apresentava agressividade, ironia, arrogância ou exaltação. Não se mostrou falante ou disperso. Sabia exatamente onde estava e que horas eram. Lembrava dos atos cometidos e não apresentava fala alterada. Seu equilíbrio e sua capacidade motora e verbal eram perfeitas.

O artigo 277 do Código de Transito Brasileiro afirma categoricamente que, caso não seja efetuada a averiguação do teor alcoólico por intermédio do bafômetro, a mesma deverá ser realizada por “exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006).”

Reiteramos, “por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN”. Ao questionar o policial que o abordou acerca do significado preciso do item “desordem nas vestes”, o autor foi informado que a mesma era caracterizada pelo fato da “camisa estar para fora da calça, e não dentro”. Tal aberração seria motivo de piada pura e simples, se não fosse também prova cabal da burocratização de um instrumento legal excessivamente coercivo e infundado.

A observação casual e apressada da autoridade policial, avaliando a existência ou não de embriaguez com base em critérios tão abstratos em oposição aos exames especificados no diploma legal, caracteriza não apenas afronta ao contraditório e à ampla defesa, mas igualmente ofensa ao intelecto de qualquer cidadão mediano.

O Regime Democrático, pedra basilar do Sistema Jurídico Nacional, não permite, em hipótese alguma, que o Poder Público interfira na esfera individual sob pretexto de suposições infundadas e total ausência de materialidade.

Trazemos à tona o histórico do autor, o qual nunca praticou qualquer tipo de infração penal grave em 10 anos de habilitação. Privá-lo da mesma, em virtude de um acontecimento isolado e absolutamente inócuo, no qual não restou provado em momento algum qualquer sinal de embriaguez ou potencial periculosidade, é uma afronta gratuita às garantias constitucionais de um Estado de Direito.

O escopo e finalidade da Lei n° 11.705/06 são, sem sombra de dúvida, louváveis. Não obstante, a mesma caracteriza tentativa inócua do legislador em resolver um problema imenso e multifacetado com legislação demagoga e desinformação popular, como ocorre freqüentemente em nosso país.

As conseqüências de suspensão da habilitação para o cotidiano pessoal e profissional do autor seriam devastadoras e injustificadas, motivo pelo qual requeremos a efetiva improcedência da infração imputada ao deferente, assim como suspensão da multa, de valor abusivo e impraticável para um mero trabalhador brasileiro.

Nesses termos, pede deferimento

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